quarta-feira, dezembro 30, 2009

DICTA

...foi nos EUA que ela (a internet) “explodiu” na década seguinte. Um elevado nível de alfabetização associado à presença da maioria dos computadores interconectados do planeta, esse foi o pressuposto para que, meio por geração espontânea, a internet desse à luz a blogosfera tão imprevisível e inesperadamente quanto a invenção de Gutemberg havia gerado aquilo que Hegel chamaria de “a oração matinal do homem moderno”, a imprensa escrita.
Nem com todos os elementos da hegemonia gramsciana espalhados, do pré-primário ao pós-doutoramento, pelo sistema educacional, dos grandes jornais e revistas aos folhetos do grêmio estudantil, pela imprensa e, com apoio da mídia, professados, do cineasta bilionário ao poeta marginal, pela maioria dos agentes culturais e artísticos, nem com tudo isso é possível, em última instância, obter-se um monopólio completo e perene de todas as caixas cranianas.
Que Reinaldo tenha encontrado no blogue seu veículo (e vice-versa) é uma sorte que, negada a Kraus, foi-lhe propiciada pelo Ocidente, pelo Iluminismo, pelo racionalismo, pela ciência, pela Revolução Industrial, pela economia de mercado (que ainda insistem em chamar de capitalismo), por inventores e empresários à procura de lucros e por outros tantos monstros reconhecidamente hediondos, malignos. Seu sucesso, todavia, como esse mais moderno de todos os arcaísmos – o livro – demonstra bem, decorre mesmo é da combinação de talento, trabalho duro e amor (correspondido) pela língua.


Nelson Ascher resenha na terceira edição da Dicta, O País dos Petralhas. Das melhores críticas literárias que já li.

DA FALTA QUE VOCÊ ME FAZ

Enquanto leio O Jogo da Amarelinha, de Cortázar, me deparo com um texto que soa como um recado:


Oliveira bebeu mais um mate. Tinha de cuidar da erva. Em Paris, custava quintos francos o quilo nas farmácias e tratava-se de uma erva perfeitamente asquerosa que a drogaria da estação Saint-Lazare vendia com a vistosa qualificação de “maté sauvage, cueilli par les indiens”, diurética, antibiótica e emoliente. Por sorte, um advogado de Rosário - que, a proposito, era seu irmão – tinha-lhe enviado cinco quilos de Cruz de Malta, mas já restava muito pouco. “Se a erva acabar, estou frito”, pensou Oliveira. “O meu único dialogo verdadeiro é com essa bebida verde.” Estudava o comportamento extraordinário do mate, a respiração da erva fragrantemente levantada pela água e que, com a sucção, desce até pousar sobre si mesma, perdido já todo o brilho e todo o perfurme a não ser que um pouco de água a estimule de novo, autêntico pulmão argentino de reserva para as pessoas solitárias e tristes.


Devem fazer cerca de duas semanas que a minha erva acabou. Cultivava esperança de que uma outra tripulante brasileira havia trazido, quem sabe algum outro cidadão da latino américa, mas nada. Sem perspectiva de comprar erva-mate em praias caribenhas ou mesmo nos EUA, tratei de comprar uma pequenina máquina de café e tentei, em vão, passar pela segurança do navio. Como tripulante estou impossibilitado de possuir um artefato desses na cabine. Confiscaram-na e agora só me resta sonhar com a mesma sorte do protagonista do paragrafo acima, de uma bem-aventurada alma enviar um pacote que seja.