quarta-feira, maio 20, 2009

DISSOLVER-SE

O que eu quero é o breu da noite como condição, como algo no qual eu possa afundar e me dissolver; o que eu quero é que a escuridão se infiltre nos meus olhos e que o meu corpo saia flutuando para que deixe de ser tão nítido, ou tão importante quanto ele me costuma parecer, a ponto de, devo admitir, eu me pegar escutando os seus sinais como um monomaníaco ou um hipocondríaco; o que eu quero é dissolver um pouquinho a fronteira entre corpo e não-corpo, talvez consumar uma tênue osmose ali onde começa um e termina o outro; borrar. É o que eu quero quando estou farto de mim mesmo, do meu rosto no espelho, das palavras que ponho na tela, farto do gosto metálico que sinto na boca ao me representar dia após dia, quando a relação proporcional entre eu e eu é de 1:1, só que não exatamente, e o asco e o desdém por mim mesmo vazam pelas fissuras na borda, ali onde a discrepância impede que a fita adesiva da vida grude como deveria.

Per Petterson, daqui.

terça-feira, maio 19, 2009

BENEDETTI

Tinha um post engatilhado desde término de fevereiro sobre A Trégua, um pequeno grande livro de pouco mais de 150 páginas que narra o envolvimento de um velho próximo da sua aposentadoria com uma colega de muitíssima inferior idade. O livro é triste. Ao menos a minha leitura, a absorção do texto, ocorreu dessa forma. As passagens em que o velho demonstrava não ter conseguido digerir a morte da sua esposa são parágrafos tão valiosos quanto aniquilantes. Impossível sair ileso da leitura dessa obra, e um misto de preguiça e procrastinação impediram a publicação dos almejados relatos. Hoje, a notícia infeliz que cabe ser dada, até como uma espécie de homenagem, é a do falecimento do seu autor.
O uruguaio Mario Benedetti morreu no último domingo. Do seu retrato escorre e é nítida a impressão de que se tratava duma formidável criatura:

1921 - 2009

segunda-feira, maio 04, 2009

O RETRATO DO CINEMA COMO LIXO

É o sub-produto perfeito para ilustrar o denominador comum de um tipo de cinema atual feito para vender pipoca, balinha, nachos e refrigerante, para um público com cera nos ouvidos e limite programado de atenção de não mais do que quatro segundos.

Não raro assisto a filmes reconhecidamente ruins do gênero de super-heróis, motivado por aquela curiosidade intrínseca a qualquer fã de comics que continua ou não lendo HQ's. Fiz o download da versão ainda não integralmente finalizada de X-Men Origins - Wolverine em nome de algum dos 3 filmes dos X-Men lançados a alguns anos atrás. Não lembro qual, mas ao menos um deles me agradou bastante e havia um resquicio de fé na hipótese desse efeito se repetir. Mas claro, isso não aconteceu. Dessa vez, extravasaram no erro. Kleber Mendonça é o dono do comentário em itálico acima, tirado daqui, e que ilustra magnificamente o pior filme que assisti nesse 2009. Após ver Pink Panther, com Steve Martin, e How to Lose Friends and Alienate People, uma bomba que eu julgava insuperável, nem nos piores pesadelos imaginava poder ser exposto a alguma obra de qualidade ainda mais rasteira num período tão breve de tempo. A 20th Century Fox surpreende, e me mostra que o fundo do poço é um pouco mais adiante.