domingo, maio 06, 2018

DA CULTURA

Numa escala que não me parece difícil identificar, as obras de Shakespeare são mais necessárias que as de Nelson Rodrigues: ambas têm valor, mas as do dramaturgo inglês são conquistas incontornáveis do espírito humano, de grande valia para todos nós, independentemente do espaço e do tempo. É o que se chama “universal”, pois revela e educa constantes da alma humana, e não seus acidentes seculares ou de matiz nacional. Quando Akira Kurosawa faz releituras de peças shakesperianas, traduzindo-as para seu público japonês tão distante culturalmente dos europeus bretões, o faz na intenção de dar a conhecer em língua própria o que de comum sobre o homem disse um estrangeiro. O drama de Rei Lear é mesmo uma hipótese humana transversal.

Daí que os homens e mulheres que se pretendam cultos neste sentido, devem “gastar” a vida na apreensão dessas obras de maior envergadura, que vão de Shakespeare a Platão, de Virgílio a Balzac, de Simone Weil a Van Gogh. Apesar de todo esperneio relativista, são elas a espinha dorsal do cânone universal da cultura. Alguém que tenha passado a vida inteira lendo Paulo Coelho e ouvindo mpb não pode se dizer culto como outro alguém que tenha dominado, mesmo que parcialmente, os elementos formais e materiais do teatro grego antigo. Se o leitor quiser saber a diferença entre o tipo Vinícius de Moraes e o tipo George Steiner, aí está.

Formidável texto do Tiago Amorim no seu A Vida Humana.

terça-feira, maio 01, 2018

UM RETORNO?

O uso de celular e tablet diminuiu brutalmente minha utilização do laptop. Nenhuma novidade, deve ocorrer com uma parcela enorme de pessoas o mesmo. No meu caso, essa diminuição atinge especialmente aquilo que apenas o teclado do computador parece permitir que se atinja: a produção de um texto mais íntimo, uma introspecção textual, aquele flerte do estado emocional no dado momento da escrita com os caracteres digitados.
Meu isolamento, mesmo que inconsciente, na produção de textos, de um post banal a um conto sem sentido, é difícil de encontrar cronologicamente um instante exato em que tenha tido início. Estabelecer comparações com os textos de autores que leio pode intimidar e tornar mais exigente uma produção própria, mas não foi isso. O reconhecimento como mera porcaria da imensa maioria dos textos que havia criado ou escrito até então, poderia igualmente ser o fator desencadeante desse exílio. Acho que também não. Uma resposta que encontrasse algum suporte na (minha) realidade deveria levar em consideração um grau de exigência maior, um gigantesco desânimo de ordem criativa, e variados outros motivos e fatores.
Um modo de vida mais saudável, física e mentalmente, almejado durante a vida toda e colocado em prática de maneira mais rigorosa apenas recentemente, parece ter naturalmente desencadeado um regresso a certas atividades. Dentre as quais um reencontro com o laptop. Com o seu teclado. Com o que apenas com o auxílio dele parece ser possível realizar.
Primeiro de maio. Me parece uma boa ocasião para um retorno.