quarta-feira, novembro 01, 2023

UM ANO ATRÁS

Imaginava que tinha sido hoje e agora, consultando o calendário, observei que a data correta foi ontem: o aniversário de um ano daquela chuvosa segunda-feira, que reservou a ida a uma consulta médica na cidade de Taquara acompanhando meu pai.

A ocasião que contrasta com o dia pós vitória petista nas eleições deveria por óbvio ser uma data amaldiçoada, no entanto, tornou-se uma das mais marcantes passagens que tive ao lado do Seu Paulo nos 4, quase 5 meses, que ele encarou aquilo que posteriormente eu rotularia como o seu calvário.

Havia deixado Canela com destino a Ivoti no início da noite do domingo, sabendo que o dia seguinte reservaria um novo retorno pelo meio dia imediatamente após a manhã de trabalho em São Leopoldo. Não desconfiava que aquela segunda que iniciaria chuvosa, permaneceria dessa maneira sem um instante de trégua até o seu fim. Um dia marcado pela chuva, a pressa pelo medo do atraso, o trânsito abarrotado, em suma, as dificuldades.

A condição do meu pai sem conseguir se movimentar direito sem um dos seus pés, já traria complicações severas, mas a situação, agravada pela baderna nas estradas devido a revolta com o resultado das urnas, tornou o 31 de outubro de 2022 um dos marcos desses tristes dias em que as engrenagens internas do meu velho foram falhando aos poucos, culminando exatos 16 dias depois na quarta-feira de sua despedida.

Olhando já a distância, sob um verniz que também pode ser tendencioso e induzir ao engano, durante essa segunda-feira, dia que passamos boa parte dele juntos, meu pai já dava mostras do adeus que viria logo adiante. O silêncio demasiado não era nenhuma novidade em se tratando dele, mas algo no olhar, na estranheza dos pensamentos e na memória, mas especialmente na tolerância com o sofrimento. Somente se confrontado admitiria eventual dor, caso contrário, suportava de uma maneira que ainda me foge a compreensão: não como um castigo ou uma injustiça, de certa forma como parte do seu destino.

Hoje, gostaria de repetir aquele mesmo dia, passar por todos os perrengues que ultrapassamos e ao término, já inicio da noite, me despedir dele apertando firme sua mão e o abraçando. Quem sabe mais velho, daqui uns anos, eu entenda melhor esse período. A sucessão dos acontecimentos que o levaram foi tão rápida e a sensação de ter feito muito menos do que deveria é tamanha.