quarta-feira, setembro 10, 2008
EL MARATÓN
Costeávamos o lado revolto da praia e o litoral nos assoprava um vento gelado que o calor e suor do corpo mal conseguiam combater, o cinza do céu já era menos escuro e não chovia, meu relógio marcava uma hora e cinqüenta e poucos, quando me despedi da simpática e para muito além do graciosa, Evelyn, a quem a pouco tinha confidenciado num espanhol meia-boca instantes após alcançá-la, que se tratava da mais bela dentre todas as corredoras da prova. Apontava e reclamava de dores no joelho. Pelo que me lembro, utilizou algo semelhante à palavra do português rótula para definir o local (quem sabe rottilla?). Chamei num buena sorte assotaquezado a moda castelhana e não mais olhei pra trás. A vontade de ir até a linha de chegada ao lado dela era enorme, mas havia uma energia enorme ainda acumulada, a mesma que me permitiu terminar a maratona de Punta em impressionantes 3h41min. Além da energia, há quem credencio o mérito a mi madre e seus almoços, tenho por obrigação mencionar o senhor que a passos largos me encontrou ali por volta do km 38 e proferiu um guri, não acredito que tu vai perder pra esse velho de sessenta. Perdi, claro, mas fui no embalo dele, respirando somente pela boca e com o corpo todo em chamas para conseguir acompanhá-lo. Eu terminaria uns segundos atrás, mas não fosse ele, creio que o final não teria sido bom da forma que foi: subimos um pequeno trecho em aclive recheado de pessoas e na frente, durante todos os 50 metros restantes, muito mais gente se acumulava ao lado da faixa que se estendia até a linha de chegada, aplaudindo, gritando, sendo ouriçadas por um apresentador que sabia muito bem comandar uma recepção animada a todos aqueles que até ali chegavam, de microfone em punho e por trás sendo abastecido de enormes caixas de som que nos instantes de silêncio dele comandavam um animado e alegre som de rádio fm. Resumindo; absolutamente do caralho. Que se entenda bem, naquela hora, nada convenceria e poderia ser melhor.
E, salvo exceções de pequena ordem, tudo foi muito bom, mesmo não tendo cumprido com nenhum dos principais objetivos a que me dispunha antes de sair de casa. O clima estava desastroso, com chuva e muito frio. Não houve parrillas tão pouco a oportunidade para se comer realmente bem. A cerveja foi ingerida em pequeníssima quantidade, e não passaram de duas Zilertals (maravilhosa) , uma Patricia preta que, como todas as cervejas pretas, não agradou tanto assim e um copo de chopp da Pilsen. Mas óbvio, coisas que nem se imaginava ocorreram. A recompensa da existência, o grande barato da vida.
Me deliciei conversando com uma gremista de personalidade pra lá de exótica, dona de uma das mais belas mãos que já vi, com dedos longos e unhas irretocáveis, e de uma das conversas mais fáceis e desenvoltas que já escutei. Dialogar com ela sobre o que de mais trivial a vida possui foi um dos pontos altos do fim de semana inteiro.
E as bergamotas, goiabas e arribas que recebi ao longo do percurso inteiro, esse último, no mínimo umas quarenta vezes, os meus agradecimentos. O meu muchas gracias, como tantas vezes repeti e só depois do último sexto da prova deixei de dessa forma agradecer. Naquela altura já não haviam mais muitos resquícios de boa educação imerso dentro da atmosfera cansativa que já parecia tomar conta, soterrando-me num misto de esplendor e ruína física, dependendo apenas do viés com que se assistisse a cena. Partes-integrantes do desencadeamento dessa sensação que me abastece agora, já passados quatro dias, da vontade de repetir tudo de novo.