domingo, novembro 08, 2009

DAS CORRIDAS

Após periodo nebuloso de desgraças fisicas, sem a possibilidade de realizar exercicio algum, e agora, trabalhando sob a água, sem a possibilidade de correr, se não numa esteira de uma iluminada por demais sala de um deck subterranêo da embarcação, me dispus a elencar os instantes divinos que a corrida, de muito bom grado, me proporcionou. Texto que agradará os adeptos, e causará irritação e constrangimento aos não chegados.
Pra matar a saudade, elenco os três maiores, de uma já interessante fortuna, dessa forma:

3. O sprint da Maratona de Punta del Este
Vislumbrar no horizonte o término da prova e constatar que o corpo ainda possui uma exigua cota de energia, o suficiente para lhe possibilitar acelerar, não especificamente acelerar, mas sair da constância do seu ritmo para um mais veloz. Eis a maravilha: enquanto os demais definhavam nos últimos kms, onde estradas de chão se misturavam com parcelas de asfalto, pude ultrapassar a linha de chegada como comumente se diz, “sobrando”.

2. A Maratona de SP e os seus últimos 4km's
São Paulo foi a maratona escolhida para 2009, em detrimento da capital gaúcha que, sem uma razão aceitavel e concebivel, realiza a sua maratona uma semana antes dos paulistas. Fui até lá e verifiquei o quão ardua se trata a maior prova desse tipo no país.
Do km 30 em diante, mais especificamente no instante em que se deixa pra trás a cidade universitária, teve inicio a tortuosa via-crucius que durou até o último metro dos 42,2km. Do km 38 em diante, trecho que inclui um túnel, aquela altura, letal para qualquer corredor, é o trecho que destaco para comentar: atravessa-lo, movido pelas últimas sobras de energia que o corpo reserva, sendo necessário um rigoroso controle dos movimentos das passadas e dos membros como um todo, numa espécie de rotação ideal, tal como um automovel exigiria, para que você não se visse abraçado, literalmente, pelas cãimbras, além da sensação de abafamento que o clima seco do meio-dia propiciava, tudo isso junto e somado e temos como rescaldo um feito a ser comemorado: a chegada, ainda que com suas demoradas 3h53min, sem paradas, ainda que nos últimos km em baixa velocidade. Um feito.

1. Parte final do penultimo trecho da Volta à Ilha
Por razão de obras em determinado local de Florianopolis, para que não houvesse nenhum ponto de troca e consequente acúmulo de pessoas nas imediações desse lugar, cerca de 12km de um trecho que seriam comumente dividido entre dois atletas, foram realizados por apenas um na prova de 2009. O trecho em si não trazia nenhuma dificuldade sobressalente, ao contrário, as dificuldades todas haviam sido transpostas nas areias, morros e lamaçais que antecederam-no. Não havia maior motivação entre ultrapassar esse ou aquele corredor, e o instante não propiciava quase nenhuma incidência de ânimo ou coisa do tipo. Por mais distantes que os demais corredores aparecessem no horizonte que se alongava o meu campo de visão na já noite catarinense, a velocidade que imprimia era suficientemente maior e a ultrapassagem ocorria de modo previsivel. Deviam faltar uns 5km pra entrega do bastão e o fim do meu trecho, quando noto pelo som que ecoava no asfalto, e depois pela sombra que a luz dos postes emitia, um corredor as minhas costas aproximando-se rapidamente e enfim, ao invés de continuar realizando ultrapassagens, a sofreria. Nada que importasse, nada que fizesse qualquer diferença, resumindo, não ocorreria NADA. Mas aí, eis o grande delirio da coisa toda, esse vazio todo ruiu e fui inflado dum desejo de superação sem tamanho. E o que ocorreu daquele instante, onde o cidadão se postou a pouco menos de 1 metro de distância de mim, até o desfecho de tudo, com a entrega do bastão e a exaustão sem limites, será algo que não hei de me esquecer. A auto-motivação incessante, proporcionada por um corpo em estado de extâse, inflado pelo quimicos naturais gerados por você próprio e eis o combustivel que me fez voar. Corri como nunca antes e, até então, como nunca mais ousei depois.
Findados os trechos todos, a beira-mar, após a linha de chegada, em meio a confraternizações e felicitações das equipes, entrega de medalhas e coisa do genero, tive a oportunidade de encarar o meu oponente naqueles - pra minha pessoa, históricos para todo o sempre - 5km. A ele, faltava-lhe emoção, não tinha desfrutrado do mesmo delirio, do mesmo “pega” que na minha mente haviamos travado. Cheguei até a cogitar que estava na posse de um espirito de competitividade exacerbado, devido a complacência dele ao me cumprimentar. Esperava uma resposta diferente, um xingamento que fosse, qualquer coisa, menos uma postura tão inerte frente ao emocionante duelo que, na minha cabeça, logicamente, haviamos acabado de realizar. Porém, como não há nada mais individual do que a corrida, a idéia do reconhecimento do adversário batido desapareceu em seguida. O que sobrou – o que sempre sobra quando se trata da idéia de correr - foram as sensações decorrentes tão somente da minha mente.
E deve ser por isso que eu gosto tanto e não raro costumo até superestimar esses instantes, elevando-os a uma condição sagrada. Algo que provavelmente em algum momento eu tenha feito ao longo desse texto.